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Desporto

KELVIN: LENDA IMORTAL; JOGADOR QUE AINDA NÃO NASCEU

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David Guimarães

David Guimarães

No ano transacto comemoraram-se 120 anos de história do Futebol Clube do Porto. Para abrilhantar as comemorações desse aniversário e celebrar condignamente os seus sucessos desportivos e tamanha longevidade institucional foi objectivo pessoal do Presidente Jorge Nuno Pinto da Costa a inauguração de um museu que espelhasse a grandeza dos feitos do clube. Naquele espaço, figuram taças, artefactos e histórias marcantes na vida da instituição. Tendo como “pano de fundo” a conquista do título do ano passado, o museu apresenta-nos o “Espaço K” que imortaliza o golo marcado pelo avançado brasileiro portista Kelvin que ajoelhou, literalmente, Jorge Jesus, treinador do Benfica. Aquele remate de pé esquerdo para o fundo das redes foi como uma “vergastada” nas costas do “timoneiro” das «águias» que soçobrou, “naufragando” com ele todo o universo benfiquista. O FCP serviu-se desta sequência de imagens para demonstrar, mais uma vez, a “superioridade” no futebol nacional que conquistou e “conquistará” às custas do grande rival lisboeta.

Aquele contexto de tamanha euforia que se vivia no Porto originou uma atitude panegírica que subalternizou os interesses do herói brasileiro. O foco, que deveria estar no seu crescimento futebolístico, passou para segundo plano. Kelvin teve intervenção directa em jogos cruciais para o título, marcando três golos imprescindíveis para a conquista do “ceptro” de campeão, dois ao Braga e o já celebrizado tento ao Benfica em tempo de descontos. Numa equipa de muita posse de bola, de constante circulação e com um jogo interior muito pronunciado, este avançado veio “romper” com o estilo rendilhado habitual da equipa, introduzindo no jogo técnica e velocidade, repentismo e simplicidade de processos. Em suma, a inclusão deste jogador permitiu um percurso mais directo na procura e obtenção do golo.

Depois do fulgor atingido no final da época passada, o avançado foi perdendo espaço na equipa e tem sido muito pouco utilizado esta temporada. Kelvin é uma lenda viva do FCP, ficará perpetuado na história do clube, eternizado na memória dos seus adeptos. Sendo já imortal quando futuramente o analisamos, no presente é um jogador praticamente irrelevante na equipa. Actualmente, com pouquíssimos minutos jogados na época e vendo assim inviabilizado o seu crescimento futebolístico, o craque demonstrou muita ansiedade e nervosismo, tendo até saído a público declarações suas de descontentamento pela pouca utilização. O Porto criou uma lenda, mas ainda não consolidou o jogador. Esperemos que este enquadramento dúbio, quase antagónico e paradoxal, não desmorone psicologicamente este prodígio de apenas 20 anos. É portanto um jogador lendário que ainda não se fez, nem se cimentou enquanto tal, ainda não “nasceu” sequer como atleta influente e de topo. Como homem, imortalizado nos afectos de um clube. Como jogador, ainda em trabalho de “parto” técnico-táctico e de consolidação de fundamentos de jogo.

Por esta duplicidade de enquadramentos que Kelvin vive, lenda eterna/jogador embrionário, aguardo com alguma apreensão a evolução da sua carreira.

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14 Comments

14 Comments

  1. Pedro Marques Pinto

    29 Abr 2014 at 20:05

    Efectivamente, como afirmas no artigo, o Kelvin, pelo “feito” que protagonizou diante do Benfica, conquistando o título para o FCP, foi sujeito a um estatuto duplo de lenda e de comum mortal, de jogador divinizado e de simples e quase irrelevante membro da equipa portista. Não podemos esquecer que o FCP é uma instituição (não uma nação, creio), e, por conseguinte, é compreensível e relativamente legítimo que construa um bastião de propaganda a enaltecer as acções de um dos seus heróis. Kelvin, como muitos monarcas antigos, muitos déspotas ocidentais e orientais, foi elevado à categoria mítica da heroificação. Será que isso se justifica? Deixo essa reflexão para os cronistas, para os adeptos, e para os “altos” responsáveis do clube. Mas deixo só mais uma pequena observação: à semelhança da guerra e da literatura épica (homérica e camoniana) o jogador de futebol, em plena contemporaneidade, é passível de ser celebrado para eternidade nos anais da cronologia olímpica ou pura e simplesmente remetido para o hades da infâmia e do esquecimento histórico. Na antiga Grécia, o vencedor dos Jogos Olímpicos era equiparado à figura semi-divina do herói. No futebol de hoje, o jogador, no espaço sacralizado do museu, é motivo de culto e exaltação. Parece que em mais de dois mil anos muito pouco mudou no que toca à mitificação propagandística e legitimadora dos nossas lendas e dos nossos heróis predilectos.

    É saudável ler o artigo de um portista que desconstrói o discurso interno do seu próprio clube. Saibamos, ao menos, não confundir um elogio justo com um acto balofo de enaltecimento.

    Os meus parabéns David

  2. Anabela Simão

    30 Abr 2014 at 12:21

    Gosto de te ler…escreves lindamente! És o meu orgulho! Só posso dizer isto porque de futebol percebo zero!
    Beijos

  3. Diogo

    30 Abr 2014 at 21:51

    O Paulo Fonseca queixava-se do rendimento do Kelvin nos treinos…
    Acho que o futuro do Kelvin depende, em grande medida, da ‘cabeça’ e da humildade que ele vier demonstrar nos próximos tempos. É uma lenda viva, sem dúvida, mas isso não é garantia de futuro enquanto jogador do Porto. Ele ainda não é um grande jogador, mas já demonstrou que tem qualidades que o podem levar a sê-lo. Talvez um novo empréstimo que lhe permitisse jogar com regularidade e consolidar-se na nossa ligar pudesse ser-lhe muito útil.

  4. Carlos Martins

    1 Mai 2014 at 0:31

    Não sei o que é que o futuro reserva ao Kelvin, nem como evoluirá a sua carreira desportiva, mas de uma coisa tenho a certeza: o nome dele está gravado a letras de ouro na história do FC Porto. O golo que ele marcou na penúltima jornada da época passada (e que nos deu o título) elevou-o à categoria de “imortal” no clube.

    Não tenho dúvidas que daqui a 30 ou 40 anos ainda se vai falar daquele golo do Kelvin ao Benfica. Sinto-me, por isso, um privilegiado por ter vivido esse momento épico ao vivo, em pleno Estádio do Dragão… É uma daquelas histórias para se contar aos nossos netos…

    Tenho, como portista, uma dívida de gratidão para com o Kelvin. Por causa dele (e daquele golo genial) comprei a camisola número 28 do FC Porto, com o seu nome nas costas. Oxalá um dia ele ma possa autografar…

  5. joao barbosa

    1 Mai 2014 at 1:20

    concordo com o que disseste, mas sinceramente não sei de quem é a culpa da pouca utilização de Kelvin: se dele, se dos treinadores. Se por um lado 3 homens em momentos diferentes(vitor pereira, paulo fonseca e luis castro)nao “podem” estar enganados, por outro o rendimento do jogador nos poucos-muito poucos- jogos em que foi utilizado não é mau. Assim de cabeça, recorda-me de um jogo de pre-epoca em que faz um grande remate a trave e quase marca e do unico (?) jogo em que foi titular -contra o atletico- em que marca 1 ou 2 golos e faz uma assistencia. Embora perceba que um jogador tem que fazer o trabalho “invisivel”, ou seja , sem bola, melhor do qjue ele faz, não percebo porque não o utilizaram mais!! estes treinadores tem medo dos jogadores que sao repentistas e incontrolaveis taticamente, preferem jogadores banais como licá e que cumprem à risca o que lhes é mandado, mesmo que um avançado necessite de rasgo para fazer a diferença! os treinadores estão convencidos que um jogador se pode lapidar no treino. Nada mais errado. O treino é importante, mas so errando muito dentro de campo é que um jogador se forma(tal como demontra sir alex fergunson no seu livro)
    outro jogador que está numa situação parecida com kelvin é quintero. este jogador foi sem margem de duvida o unico que trouxe criatividade no meio campo , metendo , tambem , medo aos adversarios(algo muito importante , pois liberta outros colegas de equipa) e passou meses em cativeiro , porque o treinador tinha medo de não o controlar a 100%!
    com treinadores deste calibre JAMAIS teriamos tido um Carlos Alberto a marcar na final da champions, porque jamais o punham de inicio, muito menos num jogo dessa natureza!! é necessario um treinador que aposte nestes jogadores que já provaram serem talentosos e uteis, pois marcaram e deram golos a marcar, nao se limitando a ser uns brinca na areia!!

    • David Guimarães

      1 Mai 2014 at 16:20

      Amigo João Barbosa mais uma vez agradecer a tua bela participação.

      O treino é muito importante mas, como dizes, é no jogo que se adquirem os índices físicos e competências técnico-tácticas necessárias para a consolidação de fundamentos e princípios de jogo, indispensáveis a um futebolista de alta competição.

      A tua referência a Quintero é muito boa para esta discussão. O ocaso do médio ofensivo no futebol moderno é uma realidade. Ainda vemos jogadores a jogar atrás dos pontas-de-lança. Mas, já não são organizadores de jogo e definidores (último passe/remate). São jogadores colocados nessa posição para pressionar e roubar bolas (Como os casos de Guarín no Inter ou William no Chelsea). Hoje vemos os número 10 deslocados para as alas, também jogando como segundo avançado ou, até, falso ponta de lança (James, Gáitan etc..). No futebol contemporâneo, o meio é para laborar. Só nas alas e na zona do avançado centro é permitido criatividade.

      Desafio a quem me tem acompanhado a procurar uma equipa ou selecção que jogue com um número 10 puro. Ocorre-me apenas um exemplo, o Brasil de Óscar ( que nem sempre joga no Chelsea)

      Um grande Abraço

      • Carlos Martins

        2 Mai 2014 at 1:03

        David, tens o caso do Ozil, por exemplo. Continua a ser um grande número 10, apesar de, esta época, ter estado abaixo das expectativas no Arsenal. Mas o Mundial está aí à porta e nós até estamos no grupo da Alemanha…

        Aliás, o próprio Mourinho chegou a dizer no início da temporada que, para ele, o Ozil era o melhor número 10 do mundo…

  6. João Luís Martins

    1 Mai 2014 at 17:19

    Grande David, em relação ao Kelvin, sabes a minha opinião que em muito difere da tua ! considero um excelente jogador para um Setúbal, e acho que com isto fica tudo dito..

    Em relação aos Números 10, acho que é justo considerar equipas como Dortmund, Schalke 04, Everton, swansea, Marseilha, lille, Mónaco, Bilbao. Dortmund sobretudo com Mkhitaryan, Schalke com a grande promessa Max Meyer, Everton com Ross Barkley, Marselha com Valbuena, Mónaco com James, Lille com Marvin Martin e por último Bilbao com Herrara.
    Acho que é justo considerar que estas equipas utilizam um Numero 10 à imagem de Quintero, outras equipas também o fazem mas, estou apenas a pensar de cabeça.

    Abraço e boas discussões

  7. Pedro Bártolo

    1 Mai 2014 at 22:57

    Artigo muito perspicaz e que traz à baila uma questão que poucos ressaltaram: o comportamento negligente do FCP para com o crescimento do atleta. Parabéns David

  8. Luís Cavadas

    2 Mai 2014 at 16:39

    Gostei muito de ler, Continua assim, Parabéns!

  9. David Guimarães

    2 Mai 2014 at 18:35

    Amigo João é impressionante a quantidade de equipas que conheces a forma de jogar!

    Pegando no exemplo que deste de James, é verdade que joga a 10 em bastantes jogos mas, nem sempre é titular, ou, pelo menos, nem sempre nessa posição. À semelhança do que acontecia no FCP muitas vezes é deslocado para uma linha em sistema de 4x3X3 com um médio defensivo ou em 4x2x4 com dois médios mais posicionais.

    Ainda existem médios ofensivos no futebol contemporâneo, embora, estejam a perder preponderância e espaço. Reitero que muitos jogadores com essas características são deslocalizados para uma das faixas, porque, o que interessa no “miolo” é a pressão e a ocupação de espaços.

    Um grande abraço e continua a preciosa participação

  10. Maurício Moraes

    3 Mai 2014 at 3:24

    É lamentável a não utilização e até mesmo a não titularidade do craque. Devem haver pormemores que não temos conhecimento

  11. Raquel Moreira

    8 Mai 2014 at 7:48

    Pessoalmente interessa-me ver e ouvir os comentadores “oficiais” de futebol. São na sua maioria pessoas capazes de estar horas a discorrer sobre coisa nenhuma, o que as torna fascinantes exemplos duma certa tendência actual de como o discurso sobre este e outros temas, apesar de abundante, não nos faz reflectir,”sabendo”,por isso,”a pouco”.
    Estes artigos são precisamente o oposto.Para além de atraentes do ponto de vista linguístico, introduzem questões que nos deixam a pensar.
    Por favor continue a oferecer-nos “refeições requintadas” em vez de “fast food”, porque as pessoas merecem.
    Muito obrigada David

  12. Gaspar Pereira

    8 Mai 2014 at 18:11

    Não há dúvida que temos comentador a sério! Estudioso, imparcial (o que é raro!), conhecimentos mais do que suficientes do mundo do futebol, enfim temos Homem ! Parabéns David.

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