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PORQUÊ MEU DEUS (BRASILEIRO)? PARTE I

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David Guimarães

David Guimarães

A selecção brasileira foi eliminada dolorosamente do Mundial organizado no seu país. A derrota por 1-7 frente à Alemanha fez “eclipsar” o sonho do hexacampeonato. Escrever sobre este acontecimento é muito penoso para mim. Como um apaixonado pelo Brasil, sofri arduamente nos dias que se seguiram à tragédia. Talvez este texto soe catarticamente angustiado, revoltado e incrédulo mas é assim que me sinto, infelizmente.

Como poderei contribuir relevantemente para a compreensão deste cenário hediondo? Dissecando apenas técnico-taticamente o jogo e os erros dos atletas vislumbramos um “cenário incompleto”, apenas robustecido quando entrelaçamos a sociologia e a ciência histórica. Para enredar este jogo, necessito de pelo menos dois artigos para empreender uma tentativa de justificação que abranja várias áreas deste fenómeno social total. Neste primeiro exercício, debruçar-me-ei estritamente sobre a organização tática e o modelo de jogo utilizado por Luiz Filipe Scolari e posterior interpretação do mesmo pelos seus pupilos.

A seleção canarinha entrou em campo com uma postura de pressão alta esfuziante, parecia que o Escrete estava ao minuto 90, a necessitar desesperadamente de golos. Até ao segundo golo alemão, as marcações eram apertadíssimas, homem-a-homem, com intenção de desarme imediato. Não havia proteção zonal, nem cobertura de espaços, o roubo de bola era imperativo. Defendi, num artigo anterior, uma pressão adiantada brasileira. Mas ver Marcelo, David Luís e Maicon tão avidamente a tentar roubar bolas perto da área adversária denota um adiantamento de linhas de origem emocional e não orquestrado no treino. Este balanceamento destapava a equipa atrás, os espaços nas costas dos laterais e dos médios defensivos eram extensíssimos. Logicamente, os cruzamentos alemães foram em grande número, o que ilustra bem o desacerto defensivo. O que me chocou mais foi o facto de os golos da Alemanha terem sido obtidos com os jogadores do Brasil a ocuparem a zona central do terreno. Obviamente muito desconcentrados e sem marcarem proximamente os oponentes, estavam de facto a pisar o seu primeiro terço de campo. Foi, portanto, um antagonismo gritante entre a sedenta pressão em zonas altas e a apatia na defesa. Mesmo que uma equipa permita a “violação lateral” tem de fechar a zona interior. Apesar de fisicamente os jogadores ocuparem esse “pedaço” do relvado, a desinspiração, descoordenação e desconcentração era tal que os atletas da “amarelinha” não conseguiram trancar a “zona de definição”.

Na 1ª fase de construção, o Brasil optou muito mal na forma como executava a sua saída de bola. Os jogadores que iniciavam o transporte eram David Luiz, Dante e Luiz Gustavo. O central do Chelsea tem de facto facilidade em sair em condução quando pressionado, embora os outros dois colegas não se sintam tão à vontade nessa função. Esta delineação obrigou a que o Brasil esticasse jogo na frente com pontapés inconsequentes e facilmente neutralizados pelos opositores alemães. Já anteriormente havia defendido que a canarinha deveria iniciar a saída de bola pelos laterias, muito confiantes e hábeis tecnicamente.

Depois desta linha de 3, vislumbrávamos outra com Marcelo e Maicon abertos e adiantados e Fernandinho no centro bastante projetado. Mais estendidos ainda tínhamos 4 homens: Hulk e Bernard a extremos e Fred ponta-de-lança fixo secundado por Oscar. Não existiu qualquer conexão entre estes dois setores, completamente inofensivos no ataque e batidos muito facilmente com os passes precisos alemães. Mesmo com a bola controlada, os germânicos “queimavam” linhas sem qualquer tipo de problema. O quinto golo é sintomático, com o defesa central Mats Hummels a passar as duas linhas de pressão alta do Brasil com a bola controlada e a libertar muito bem, escapando à pressão ingénua de David Luiz. Desequilíbrio criado e mais um golo alemão. Os primeiros cinco “tentos” alemães nascem de uma conceção estratégica errada que enquadra e explica as falhas, desinspiração e desconcentração individual.

A Alemanha esteve bastante bem, mas mais uma vez teve a partida oferecida numa “bandeja de ouro”. A equipa apresentou sempre as três linhas muito juntas. Com poucos passes aproveitava a exposição excessiva dos oponentes brasileiros e criava chances de finalização. Os defesas europeus facilmente colocavam a bola jogável para os avançados, sem necessitarem da intermediação dos médios. Nem existiu necessidade de troca de bola curta entre o setor defensivo, tal a facilidade com que o esférico chegava a zonas ameaçadoras para o Brasil. A circulação apoiada alemã foi maioritariamente efetuada no meio campo brasileiro, com constantes ligações entre os centrocampistas e os avançados. Este dado demonstra inequivocamente o “baile”, o “show de bola”, o “chocolate” que a selecção brasileira “levou” da “congénere” alemã.

Esta partida foi sentida pelos brasileiros como um vexame para a eternidade. Um penoso “vergonhaço no Mineiraço”. No próximo artigo irei enquadrar historicamente este falhanço. Debruçar-me-ei sobre os métodos de treino de Scolari e a sua representação e tentarei descortinar qual o “peso psicológico negativo” que a derrota no Mundial de 1950 exerceu nos jogadores que representam atualmente a selecção brasileira. Pretendo também perceber se este jogo poderá desencadear uma mudança estrutural no futebol brasileiro e que caminhos se poderão trilhar partindo desta catástrofe coletiva.

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4 Comments

4 Comments

  1. António Pais

    18 Jul 2014 at 17:19

    David mais uma vez, presenteia-nos com um artigo de elevada erudição sobre o futebol, que consegue materializar uma paixão notória tua no texto, que é raro ver noutros cronistas da bola.. Só por este facto, as tuas crónicas merecem a nossa devida atenção pelo teu provado empenho. Tendo lido evidentemente esta crónica, deixo aqui uma questão que poderás responder no teu próximo artigo, que julgo deveras interessante, porque foi decisiva no resultado final do jogo. Estou a falar do estado emotivo dos jogadores, e o completo estado de fragilidade com que o Brasil encarou o jogo em relação à Alemanha, que para mim foi notório nos primeiros 10 minutos do jogo, marcado por voluntarismos enormes dos jogadores Brasileiros que podemos anotar como um esforço para esconder as debilidades do colectivo do Brasil, ou uma impreparação enorme e fragil dos mecanismos colectivos de defesa emocional, necessários para este tipo de jogos. No teu entender, estando compreensivelmente o Brasil numa posição frágil, devido ao eco da trágica final do Maracanaço, porque é que o Brasil não conseguiu impedir o chamado Mineirazo? O que faltou na preparação psicológica da equipa? Foi no teu entender supreendente a fragilidade emocional do Brasil ao longo do torneio? Com muita curiosidade, aguardo as tuas respostas!

    Cumprimentos

  2. Miguel Braga

    21 Jul 2014 at 22:05

    Eis um texto que descortina de uma forma pessoal e técnica a “humilhação” da derrota brasileira. Neste artigo, expões as falhas que dissecaram qualquer uma possibilidade de atingir o título em casa. É bastante penoso pensar no esforço monetário e de apoio à selecção brasileira quando confrontados por uma esmagadora derrota. O jogo que eu assisti deve ter sido a maior goleada por mim alguma vez vista e não consigo pensar no quão despedaçado ficou o coração orgulhoso de uma selecção e de uma nação cujo desporto rei é o Futebol e cuja prestação em qualquer uma competição futebolista foi sempre a de topo. Este é mais um exemplar artigo que demonstra o que acabo de descrever. Força nisso, meu amigo, tu serás Grande. Um abraço.

  3. Maurício Moraes

    23 Jul 2014 at 22:28

    Este jogo refletiu claramente a o que é a CBF. Enquanto não mudarem os seus dirigentes, o Brasil não alcançará o HEXA.

  4. Raquel Moreira

    26 Jul 2014 at 13:46

    David,
    Para mim o que é chocante não é a derrota do Brasil mas a vitória da Alemanha.
    De facto, são e serão sempre uma perfeita máquina de guerra.
    Não vimos a equipa alemã ou os seus representantes queixarem-se das condições adversas do clima. Já sabiam o que iam encontrar e conhecem muito bem os adversários. No caso do Brasil, a emocionalidade latina, as crenças religiosas (afinal Deus é Brasileiro), a necessidade de dar alegria a um povo ainda tão próximo da pobreza e do subdesenvolvimento tornava-os, para os alemães, que são frios, calculistas e predadores, uma preza fácil, pois os brasileiros estavam encurralados num território emocional que os deixou prontos para serem “comidos”.
    Se a derrota no Mundial vai ser um facto traumático para o Brasil,então o que dizer do trauma que foi para o Mundo as duas Guerras Mundiais e, na actualidade a supremacia económica alemã e a sua atitude predatória em relação aos “fracos e pecadores”.
    A história não esquece e eu também não.

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