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Crónica

AS UTOPIAS NARRADAS POR NÓS AO MUNDO

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O mundo continua a ressentir-se das suas fragilidades, das suas iniquidades. Dia sim dia não, surge uma notícia encabeçada por um título sensacionalista, que desencadeia emoções adversas e menos positivas. Tudo isto fundamenta-se pelo que se vai passando de menos bom com os protagonistas deste mundo. Muitas vezes, existem órgãos que problematizam e pioram o sentido informativo e expositivo do caso. Também eles ajudam pouco à transformação positiva do recinto onde todos vivemos.

Tudo se desconstrói, e perpassa pela nossa idealização. Aquilo que nos parece mais ou menos correto, aquilo que se traduz pelo nosso corpo de valores, de princípios, de crenças. Se há algo que o afronta de uma forma descomedida, surgem resquícios de revolta, prontos a manifestarem-se contra o facto ocorrido. Porém, e em grande parte dos casos que lemos e que tomamos conhecimento, dissipa-se a nossa possibilidade de alterar a fundo aquilo que é o problema. Pequenos passos, é certo, mas que conduzem a uma realidade cada vez mais desejada do que confirmada.

A mudança dá-se bem cedo, na educação, na tomada de conhecimento, na formulação dos primeiros juízos. Daí, nasce a vontade de assumir uma atitude, capaz de ajudar e ajustar as circunstâncias menos corretas e desfavoráveis em relação ao que acreditamos. Essa mesma vontade é o arranque para que haja mudança. Porém, caímos de para-quedas num mundo já feito, composto por uma série de dinâmicas que, apesar de acumular uma quantidade pouco sadia de ferrugem, permanecem. Há quem lhe chame sistema. Para que existam alterações, narram-se histórias, a partir daquilo que é o sonho mais pueril até à ambição mais amadurecida e confiada.

A utopia conta a história onde tudo está bem, onde o mal foi erradicado, onde não há um choque de valores nem de opiniões. Tudo é regido com sensatez, com tranquilidade, com paz. A utopia, para além de esconder a dificuldade, acaba com ela. Não existe empecilho plausível e palpável para que o sentido positivo da realidade se molde. Não se propiciam crimes, não se assiste à xenofobia, ao racismo, à misoginia, ao fundamentalismo, e a qualquer tipo de manifestação preconceituosa, ou qualquer tipo de ação lesivo e ofensivo. A utopia é assim, o hoje não é.

Mais do que assumir a utopia como parte integrante do projeto de realidade defendido por tantos, importa pensá-la. O que seria um presente sem discussão? Sem abertura? Sem choque? Também as utopias devem ser colocadas num diálogo, num sentido de dialética que permita limar umas e ajustar outras. Em prol do melhor, do mais equitativo, do mais ético, do mais certo. Em busca da felicidade, da liberdade, da complementaridade, e da saúde individual e coletiva. São desafios difíceis, que são conduzidos, em muitas das vezes, pelos meios que nos levam a travar conhecimento com as ocasiões que tanto causam atrito à nossa mundividência.

É difícil pensar a realidade. Mais complicado ainda, é mudá-la. É uma incessante busca pelo mínimo de imperfeição possível. Enquanto se vence numa frente, há outra que destoa, e que retorna a caminhos aos quais não se previa o seu regresso. Na utopia, tudo é visto com a harmonia idealizada. No entanto, também a realidade já superou muito, mesmo tendo sofrido a valer. Começou a ter mecanismos nos quais o bem se percecionava melhor na comparação com o mal. A informação tornou-se num bem à disposição de todos, à disposição daqueles que querem, de facto, saber e compreender do que o mundo padece. A deliberação e a tomada de juízos continua contaminada, porém, pelas emoções nefastas e intimidadas. São mais as medidas de combate às de debate, às de rebate à injustiça e à tolerância pelo todo, este composto pelo diverso.

Tão bem sabemos narrar. Tão bem sabemos construir utopias. Tão bem o mundo nos ouve, disposto a ser arrebatado por uma boa história. Louve-se quem escute os nossos sonhos. Louve-se quem vira lenda em plena cirurgia às limitações e complicações da sociedade. Louve-se, não só o mundo, mas também nós, e todo o horizonte que podemos celebrar.

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