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Crítica

O (in)esperado fenómeno com “Princípio, Meio e Fim”

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O primeiro episódio estreou na noite de domingo (11 de abril), na SIC. Nuno Markl, Salvador Martinha e Filipe Melo juntam-se a Bruno Nogueira para decidir o destino do jantar dos cinco amigos. Ao fim de duas horas, o guião tem de estar finalizado. Albano Jerónimo, Nuno Lopes, Rita Cabaço, Jessica Athayde e Bruno Nogueira fazem parte do elenco. A eles se juntam vários convidados. Ao todo são seis episódios: mantêm-se as personagens e as características de cada uma, apenas se alteram o guião e o respetivo desenrolar da história.

As regras são simples: tudo o que for escrito pelos humoristas — mesmo que tenha gralhas, erros gramaticais ou falas em branco (como aconteceu no primeiro episódio), — terá de ser representado tal como está pelos atores. Faça ou não sentido. O objetivo é abraçar o erro se este acontecer.

A narrativa em si deixa de ser o foco principal e passa a ser a forma como a mesma é construída e interpretada. Por esse motivo, o processo criativo torna-se uma fase marcante do episódio: uma parte considerativa do tempo é dedicada ao brainstormimg dos humoristas, assim como à estrutura do guião, à produção e sua realização.

A (des)construção da narrativa

Como o nome transparece, o programa divide-se em três segmentos: o “princípio” é a fase de preparação. O processo criativo faz parte do espetáculo. Os humoristas encontram-se num estúdio vazio e, por entre um ambiente desconcertante e de ansiedade, vão trocando ideias de forma difusiva, umas mais racionais, outras mais disparatadas, até se construir um guião surpreendente.

Aliado à pressão do tempo e ao caos de ideias (quase) sempre lancinante, a produção programou uma série de obstáculos à concentração dos guionistas — levando o programa para um patamar mais elevado de humor e tornando a imprevisibilidade parte do espetáculo.

“Princípio, Meio e Fim” leva-nos aos bastidores daquilo que pode ser considerado uma obra de arte, mostrando que uma boa produção começa ainda no “papel”.

O “meio” é o segmento mais breve. O texto é lido por Cristiana Miranda (realização) e Sandra Faria (produção) que decidem como é que vão dar vida ao produto concebido pelos autores – através da decoração, adereços, luzes, entre outros. Inclusive, é feita a entrega do guião ao grupo de atores. O “meio” molda, assim, um casamento entre o guionista e o ator.

Imagem retirada do Instagram do “Princípio, Meio e Fim”

O “fim” é o resultado final das duas horas caóticas. Aqui, na fase da concretização, a genialidade do programa é amplificada. O episódio começa com a encenação do texto e a produção possível, face ao imaginário cru entregue pelos guionistas. Paulo, Stone, Maria João, Francisca e Luís Henrique debitam o guião tal como lhes foi entregue. Se já não se respeitava a estrutura de uma narrativa, agora mais regras começam a ser quebradas.

A incoerência das ideias e a celebração do erro destoam da perfeição e rigor de um programa “padrão”. Além das gralhas, é, igualmente, apreciável o talento dos atores.

São fiéis ao texto, interpretam-no de forma natural e espontânea, mesmo que possam estar a dizer algo estapafúrdio ou a produzir ações sem sentido.

Bruno Nogueira e o seu produto brilhantemente “defeituoso”

Em “Princípio, Meio e Fim” há um cruzamento entre absurdo e surreal. As personagens gritam só porque sim, dizem frases confusas (às vezes com palavras que não existem) e realizam ações irracionais. A lógica é inexistente, não deixando, contudo, de haver um fio condutor entre os diferentes segmentos, sendo o vínculo entre o público e o conteúdo televisivo fortalecido.

Imagem retirada do Instagram da SIC

Um programa que quer sobraçar a falha e a antilógica quebra as barreiras do entretenimento tradicional. A televisão generalista segue um “formato standard” e calculado para que não se perca audiências. Por não estarem ensaiados, delineados ou planeados, a televisão não aposta neste tipo de conteúdos alternativos por norma.

As noites de domingo ganharam um programa diferente, arriscado e original; e esta é a melhor televisão de todas, a que desafia o convencional.

“Princípio, Meio e Fim” é um preito à liberdade artística, excêntrico do início ao fim. O programa mostra ser um projeto inovador para o humor e, sobretudo, para a televisão portuguesa, provando que o absurdo pode ter nexo quando espoleta o riso. Ser arte num mar de entretenimento é algo precioso. Só se afoga na banalidade quem não sabe nadar a favor das ondas de criatividade. Que este princípio desenvolva um meio primoroso e não tenha fim.

Artigo da autoria de Sara Arnaud