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Crónica

ODE AOS ARTISTAS SEM ARTE

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Um dos maiores problemas com que me deparei toda a minha vida foi, certamente, a impotência que sentia por não conseguir fazer Arte. Sempre senti que não era dotada o suficiente, uma cena assim mesmo à Vicki Cristina Barcelona. E acho que isso desenvolveu em mim todo um complexo de inferioridade no que toca a artistas — daí ter tantas vezes rastejado atrás deles. Tenho vários amigos de Artes e, sempre que estou com eles, sinto-me em paz, envolvida por toda uma aura de superioridade que eu, plebeia pouco prendada, sinto que me escapa por entre os dedos de cada vez que pego num pincel ou num bocado de barro para tentar — grande ênfase neste “tentar” — esculpir. Não dá, não sai nada destas mãos que tanta Arte querem fazer… E não, os designs manhosos que faço para o meu Instagram não contam.

Dirigindo-me a todos aqueles que partilham esta minha incapacidade de materializar aquilo que lhes vai na mente, acho que encontrei uma solução para que jamais sejamos outsiders, uma outra maneira de tentarmos absorver Arte e tudo aquilo que ela tem para oferecer: lendo e pesquisando o máximo que pudermos sobre os artistas que mais gostamos e proporcionarmos a nós mesmos o singelo prazer de ver até as exposições dos mais pequenos novos artistas — que, quem sabe, poderão estar neste preciso momento a fazer história, mesmo que não consigamos aperceber-nos de tal. Mas e se todos nós, artistas sem Arte, estivermos também a fazer história agora mesmo? Se artista é “aquele que cultiva as belas-artes”, que estamos nós a fazer senão isso mesmo? Num mundo em que todos estão constantemente confinados a ecrãs de oito polegadas, não é bom sentires que tens a cabeça bem levantada para ver algo que, quer tenha alguns séculos de idade quer tenha acabado de sair da aula de desenho ou fotografia de um qualquer amigo teu, não perdeu nem perderá todo o seu esplendor e beleza, por muito tempo que passe?

Pessoalmente, uma das coisas que mais me deixou orgulhosa até hoje foi quando me disseram que possivelmente sabia e me interessava tanto por Arte como os próprios alunos de Belas-Artes — e isso, vindo de alguém que já andou nessas lides, significou o mundo para mim. Foi quase como que um atestado de que, sim, no meio de tanta falta de jeito, estou a fazer alguma coisa realmente bem. O investimento em livros sobre Caravaggio, Basquiat, Dalí ou até mesmo Tamara de Lempicka compensou alguma coisa — nem que seja só para insuflar o ego ao ouvir coisas assim ou chorar de cada vez que vou a um museu e tenho a felicidade de me sentir arrebatada por estar perante as obras de algum destes artistas. Mas será que sou assim tão pouco dotada que tenha de me contentar com isto? Será que eu mesma não posso encontrar a minha Arte? Se ser artista é ser também “exímio no desempenho da sua arte”, não posso eu considerar-me uma artista, sei lá, nas lides do saber procrastinar?

Sinto que, durante imenso tempo, me foquei nos tipos mais “comuns” de Arte — que, não, não são os mais fáceis de dominar, simplesmente são aqueles que jamais serei capaz de alcançar por força da vocação que teimou em não nascer em mim. E não é o que todos fazemos? Aposto que, tal como eu, já tentaram ser mil e uma coisas. Desde músicos multifacetados (já todos tivemos aquela fase de querermos ser estrelas de rock e eu queria ser a Courtney Love morena com uma Fender Stratocaster em Daphne Blue), passando pela fotografia amadora (com a velhinha máquina analógica dos pais sempre atrás, ou uma máquina toda equipada com a qual não sabemos mexer, mas nos vai dar todo um ar mais profissional), acabando numas coisas engraçadas que resultaram de tardes perdidas a ver tutoriais brasileiros sobre como mexer no Photoshop. Mas, por falta de vontade, de jeito ou até mesmo de apoio moral, nunca levamos nenhuma avante por tempo suficiente. Nós, artistas sem Arte, não gostamos de perder tempo com coisas que não rendem, queremos ver tudo pronto no imediato. Certamente que a nossa vocação não passava por ali. Mas nós temos Arte! Eu sei que temos. Só nos falta descobrir qual é. (Só temos de ter cuidado para não cairmos no ridículo, tal como a idosa espanhola que tentou restaurar o fresco do Ecce Hommo de Borja).