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Crónica

NA AMÉRICA LATINA #11

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De volta. Esta será a última crónica sobre a viagem (não a última crónica no JUP, esperemos). Antes de passar às considerações finais, vou escrever sobre os últimos dias de viagem, que foram passados no norte da Argentina e em Buenos Aires.

Canta Mercedes Sosa, que “En Buenos Aires, los zapatos son modernos, pero no lucen como en la plaza de un pueblo”. Esta frase não poderia ilustrar melhor o que senti nesta cidade. Que me desculpem os seus grandes amantes (que são muitos), mas senti o choque cultural que sentiria quando voltasse a entrar na Europa, na capital argentina. Já não estava na América do Sul, e ainda não tinha vontade de voltar. Não via comida na rua, mercados de fruta, trânsito desenfreado, mas sim supermercados, organização, pessoas a caminhar rápido com o telemóvel encostado ao ouvido, Starbucks, McDonalds. “Mas afinal, onde estou eu?”, pensava. Não podia estar na Argentina.

Não recebam a mensagem errada: a cidade é lindíssima. Dividida em vários distritos, vai desde os edifícios coloniais muito altos do centro, às casas coloridas de pescadores em La Boca, aos parques outonais de Palermo. Mas não é a América do Sul. Não tem o ritmo e a música do continente, mas sim a vida apressada da Europa. As suas gentes estão escondidas dos olhos de todos nas villas miseria (o equivalente às favelas no Brasil), e só se veem empresários e estudantes com livros. E eu queria América do Sul até ao último dia: a Europa, já a tenho em casa.

Numa coisa, Buenos Aires ganha a todos os lugares onde já fui: nos doces! O dulce de leche, que comia às colheradas, os gelados enormes de tradição italiana e, os meus preferidos, os alfajores, uma sandes de bolachas cobertas de chocolate com dulce de leche como recheio. Impossíveis de resistir.

De Buenos Aires, segui para o Norte: Cafayate, Salta e a Quebrada de Humahuaca. Agora sim, via a argentina cantada pela Mercedes. Cafayate, terra do vinho e das vinhas escondidas nas montanhas. Para descobrir algumas bodegas, tive de fazer largos passeios. Mas o copo de vinho branco que me esperava, acompanhado de azeitonas, um sol muito forte, e uma paisagem de vinhas em cores outonais, perdidas nas montanhas brancas, fez valer a pena. De Salta, ficaram as noites, as peñas. Um café escondido, “La Casona”. Várias salas, muito fumo, copos de vinho e de sangria. Em cada sala, guitarras, charangos, bombos e flautas de todos feitios. Os grupos usuais, os amigos que se juntavam todos os fins de semana na Casona, pegavam nos instrumentos espontaneamente e tocavam folclore, enquanto as outras mesas batiam palmas e os acompanhavam com a letra. A música tinha um ritmo que tornava inevitável a dança e o sorriso, o balancear da cabeça, o matraquear do ritmo nas mesas. De vez enquanto, um par levantava-se para dançar, sempre com os olhos fixos um no outro, tecendo voltas com os braços levantados e os pés inquietos sempre ritmados. Da Quebrada de Humahuaca, ficaram as paisagens estonteantes de montanha, o cerro das sete cores, um local nos Andes em que as montanhas têm sete cores diferentes, com azul, verde e vários tons de castanho. E mais música, mais vinho, folclore, guitarras, charangos! O Norte é, talvez, a parte menos conhecida da Argentina, não rivalizando com os glaciares da Patagónia. Mas, como muitos argentinos me confirmaram, é a zona com mais tradição, com mais música, com mais autenticidade. E vale bem a pena visitar, nem que seja só para ouvir as suas flautas exímias tocando “El Condor Pasa”.

E é verdade, chegou ao fim a viagem. Só me apercebi realmente deste facto quando, já no avião, olhei o ecrã da televisão, e vi a indicação de que o aviãozinho no mapa já tinha atravessado o Atlântico. Foi difícil. Já não estava na América Latina e, acima de tudo, já não estava de viagem. Do primeiro facto, fica sempre o medo de não regressar. Do segundo, o medo da rotina, o medo da cidade, o medo do sofá e da televisão. Perdida nos medos, toda a viagem me passou pela memória, e sorri. De facto, tinha sido fantástico. E tinha-a aproveitado totalmente. Escalei montanhas, vi paisagens de cortar a respiração, provei toda a comida típica que podia, mas, sobretudo, sinto que conheci verdadeiramente culturas e países. Que conheci as pessoas, que lhes falei e que as ouvi. Que pude criar ligações entre o meu “portunhol” e o seu espanhol sul-americano. Que através de sorrisos ganhei amigos. E que espero ter quebrado um pouco a ideia de que viajar sozinha foi uma coisa perigosíssima: ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, uma rapariga sozinha a viajar não desperta maldade. Antes pelo contrário: quando as pessoas percebiam que viajava sozinha, a ajuda era imediatamente oferecida. No início, esta generosidade deixava-me constrangida: “Não é preciso incomodar-se!”. Mas, com o tempo, fui percebendo que a bondade genuína não incomoda as pessoas e lhes dá até um grande prazer. E fui aceitando com um sorriso, e tentando retribuir com simpatia. Em todos os lugares procurei saber como viviam as pessoas, o que pensavam do seu sistema político, que lugares bonitos me recomendavam, como era a sua família. Procurei não só olhar como espectadora, mas sim participar na vida local e integrar-me. E acho que o consegui fazer e, por isso, estou feliz.

Agora, sei que não há que ter medo do regresso. Para começar, é só o ponto de partida para outros voos. E, por muito que viaje, nunca me vou sentir em casa fora do Porto. Se há uma coisa que me fez falta na viagem, foi o carinho de quem me conhece bem. Os abraços sentidos de quem se preocupa verdadeiramente comigo. As relações fortes que cá tenho e que me fazem ter saudades. Os meus pais e irmãos, os meus amigos. As ruas do Porto, o rio Douro, o mar, o jardim do Palácio de Cristal, as noites de poesia e música. Sei que me vai saber sempre bem voltar. E que o medo da rotina só é um medo quando estou fora, porque não há nada mais fácil para combater nesta cidade.

Obrigada a todos por me terem acompanhado nesta odisseia sul-americana. Não será, certamente, a última aventura.

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1 Comment

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  1. Fede Quintana

    24 Jun 2014 at 16:58

    Francisca, dile a tu padre que me avise cuando vuelvas a viajar o, si tienes Facebook, nos hacemos amigos. Yo he viajado también por la mayoría de paises sudamericanos y tus crónicas me han hecho revivir lo que visité hace 25/30 años.
    Gràcias por todo.
    Ah! el portugués lo entiendo bién. He aprendido con tu padre.

    Fede Quintana

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