Connect with us

Política

MARISA MATIAS: “A GUERRA NÃO ACONTECE NEM POR VONTADE DE DEUS, NEM POR CATÁSTROFE NATURAL”

Published

on

O auditório da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da UP (FPCEUP) encontrava-se quase repleto para ouvir a intervenção de encerramento do seminário “Refugiados e outros desafios para a Europa”, que ficou a cargo da eurodeputada e presidente da Delegação para as Relações com os países do Maxereque, Marisa Matias.

A eurodeputada começa por mostrar uma reportagem de uma visita realizada, por si e por outros membros do Parlamento Europeu, a um campo de refugiados informal, na fronteira entre a Síria e o Líbano. Após a visualização, explica que optou por exibir a reportagem porque, no dia após o comité do Parlamento Europeu ter abandonado o campo, o mesmo foi bombardeado pelo autoproclamado Estado Islâmico: “Todas as pessoas que lá estavam, morreram”. Iniciou-se, assim, a discussão sobre a guerra e o êxodo da Síria.

“Os refugiados são uma tradução da crise humanitária que vivemos e, por isso, recuso-me a dizer «crise dos refugiados».”

A respeito da guerra, Marisa é muito clara: “A guerra não acontece nem por vontade de Deus, nem por catástrofe natural, acontece por vontade humana. E o conjunto de interferências externas nas regiões periféricas, ao longo dos últimos anos, é claramente uma das causas principais.”

A eurodeputada refere que, no início dos primeiros confrontos, não acreditava que a guerra tomasse as proporções que atualmente possui. Porém, volvidos mais de cinco anos, e tendo em conta a posição geopolítica e estratégica da Síria, o apoio da Rússia a Bashar-Al Assad, a constituição de grupos terroristas como o “Al Nusra” e a fixação do ISIS, será muito difícil acabar com o confronto sem “decisões políticas fortes”, segundo Marisa.

A oradora prossegue e revela um facto desconhecido à maioria: 2011 foi o ano em que saíram mais refugiados da Síria. “Para onde é que foram?”, questiona de forma retórica. A resposta viria a seguir: 1 milhão e meio foi acolhido no Líbano, que já tinha acolhido refugiados palestinianos, e que esgotou, no ano de 2012, a capacidade para acolher mais pessoas; a Jordânia , por sua vez, acolheu 1 milhão e 400 mil, sendo que já tinha 2 milhões e 300 mil refugiados palestinianos, numa população total de 6 milhões de habitantes.

A eurodeputada alega, ainda, que foi gerada uma conceção errada sobre o género e a idade da maioria dos refugiados.

“Há uma ideia errada de quem são as populações refugiadas. 75% são mulheres e crianças. Na realidade, 49% dos refugiados são menores. No entanto, quem aparece nas televisões são maioritariamente homens jovens, e acho que isso cria uma imagem errada.”

A resposta ao conflito? Segundo Marisa, passa por “resolver o problema na origem”. “Já conheci centenas de pessoas e todas elas querem voltar aos seus países de origem. Estamos longe de conseguir um acordo político, por razões que têm mais a ver com outros países do que propriamente com a Síria. Passa também, no meu ponto de vista, por ter uma política firme e irredutível relativamente à passagem ou venda de armamento aos grupos terroristas”, acrescenta.

A eurodeputada termina dizendo que “não é preciso estar nos lugares de representação, é nossa responsabilidade quotidiana exigir, a quem nos representa politicamente, responsabilidades pelas decisões que têm sido tomadas”.

“Se os cidadãos europeus forem mais exigentes com os seus representantes, talvez possamos colocar a democracia a funcionar como ela deve funcionar, ou seja: quem representa está ao serviço dos cidadãos e não o contrário.”

Ao longo do dia, o seminário contou com intervenções: do vice-presidente da Câmara de Penela, Emídio Domingues, que relatou em primeira mão como se realizou o acolhimento e a integração dos refugiados em Penela; de Ana Cancela, que expôs a sua história pessoal de ajuda aos refugiados, de Cátia de Carvalho, que explanou as suas vivências num campo de refugiados na República do Congo; e de Cristina Santinho, que alertou para o facto do nosso sistema nacional de saúde ainda não estar efetivamente preparado para lidar com os problemas psicológicos inerentes às vivências dos refugiados.