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Política

PORTEXIT: QUAIS AS CONSEQUÊNCIAS?

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No dia 26 de Junho de 2016, os britânicos foram às urnas para decidir a permanência ou saída do Reino Unido na União Europeia. Com 51,8% dos votos, o “Leave” venceu os 48,2% do “Remain”, ditando a vontade da população de abandonar o bloco europeu.

Por toda a Europa e com o crescimento dos movimentos de extrema-direita e extrema-esquerda no ocidente, cada vez mais os partidos eurocéticos dos estados membros da UE se fizeram ouvir na sua campanha anti-europeísta.

Contudo, alguns países da UE têm um vínculo mais profundo entre si, do que o meramente político. No seio da União Europeia foi criada uma união monetária – a Zona Euro – sobre a autoridade de um banco central comum – o Banco Central Europeu. Este compromisso, ainda mais complexo que a UE por si só, intensifica a discussão entre europeístas e não-europeístas.

Em dezembro de 2016, o PCP reuniu-se para o seu XX Congresso, do qual saiu uma resolução: a saída de Portugal da Zona Euro. O partido promete correr o país a partir de janeiro de 2017 numa campanha anti-euro. Neste contexto, surgiu uma questão: como seria o Portugal do século XXI, fora da União Europeia?

O JUP contou com a colaboração do professor José Cerdeira, docente da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e com a professora Graça Enes, da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, de forma a perceber quais as implicações de um PORTEXIT.

Soberania cambial e monetária – benéfico ou prejudicial?

Quando questionado sobre esta matéria, Jorge Cerdeira esclareceu que “os benefícios de dispor de políticas monetária e cambial próprias permitiriam ao país desenhar políticas que de outra forma não poderia fazer”. A soberania nacional nestes campos “permitiria a definição de políticas adequadas para o país”.

Relativamente à qualidade das intervenções internacionais em Portugal, o professor declarou que “historicamente, verifica-se que, nas intervenções do Fundo Monetário Internacional ao nosso país durante as décadas de 70 e 80 do século XX, as políticas orçamental e monetária não foram as que mais contribuíram para a recuperação do país. Foi, de facto, a política cambial a grande responsável pela recuperação, na medida em que a desvalorização da moeda (na altura, do escudo) permite, tudo o resto constante, um aumento das exportações. Na medida em que Portugal pertence à Zona Euro, a política de desvalorização da moeda não depende da vontade portuguesa e, portanto, uma eventual saída de Portugal da Zona Euro poderia permitir o uso desse instrumento”, afirma.

Esta eventual saída de Portugal da alçada do BCE também traria custos. Neste ponto, Portugal enfrentaria dois grandes problemas: a desvalorização da moeda e a inflação. “A desvalorização da moeda leva a uma perda do poder de compra das famílias, uma vez que o preço dos bens importados aumenta (como, por exemplo, o preço do petróleo). Assim, é razoável admitir que esta política contribua para aumentar a taxa de inflação, o que poderá originar problemas se a estabilidade de preços for posta em causa”, explica o professor.

Todos estes problemas seriam agravados, tendo em conta o elevado endividamento do país, uma vez que a dívida pública portuguesa, expressa em euros, tornar-se-ia mais difícil de pagar com uma desvalorização da moeda. No entanto, “se porventura o Banco Central procurasse resolver o problema emitindo moeda, o resultado poderia ser uma espiral inflacionista com consequências trágicas para o país”.

Saída do Mercado Comum: o mercado interno é suficiente?

No que concerne à integração de Portugal no Mercado Único, os dados estatísticos relevam que “é inegável que os principais mercados de destino das exportações portuguesas incluem diversos países da União Europeia e, em particular, a Alemanha e a Espanha”, pelo que a saída de Portugal do Mercado Comum poderia ter consequências negativas para o país. No entanto à semelhança daquilo que está a ser falado no Reino Unido e do que é praticado em outros países da Europa, “importa considerar quais os possíveis acordos que Portugal poderia fazer, mesmo estando fora da União Europeia”, realça o professor.

As tarifas alfandegárias e barreiras de outra natureza dificultariam o acesso de Portugal aos mercados, o que se iria revelar “problemático para várias empresas portuguesas e, por consequência, para a economia e o crescimento económico”.

Saída da alçada do BCE: controlo de capital dos bancos

A recuperação de soberania do Banco do Portugal acarretaria benefícios e custos. A saída de Portugal da UE iria “permitir ao Banco de Portugal a adopção de medidas que não são permitidas pelas regras do Banco Central Europeu, nomeadamente no que respeita aos incentivos e apoios aos banco”, declara Jorge Cerdeira. No entanto, a não obrigatoriedade dessas regras poderia prejudicar os efeitos para os quais as mesmas existem: “assegurar a independência e transparência do banco central”.

Contudo, o professor esclareceu que no que concerne ao papel regulador a “existência do Banco Central Europeu não impede a fiscalização aos bancos por parte do Banco de Portugal, que tem poderes de regulador para o efeito.”

Abandono da Convergência Nominal – vantagens e riscos

Quando questionado sobre esta matéria, o professor esclareceu que “se Portugal abandonar esses compromissos, será de esperar que, no futuro, o país tenha um problema ainda maior em pagar a sua dívida, o que implicará maior esforço por parte dos contribuintes portugueses e, eventualmente, menor credibilidade o país a nível internacional”. A cessação das pressões europeias, e das sanções pelo incumprimento dos critérios de convergência nominal podem estimular um menor controlo das finanças do Estado e comprometer o desenvolvimento do país.

“Eventualmente, o país poderá equacionar o Pacto de Estabilidade e Crescimento, mas de uma forma ou de outra terá de cumprir alguns critérios relativos ao défice e à dívida, para evitar sobrecarregar as gerações futuras”, afirma.

I&D nacional e os fundos comunitários

Dada a pequena dimensão do mercado interno português e os recentes problemas financeiros do Estado, as áreas de I&D (Investigação & Desenvolvimento) têm sido alvo de vários e sucessivos cortes orçamentais, pelo que a importância dos fundos europeus ganharam especial importância.

A nível de investigação teórica, aplicada nos mais diversos domínios da ciência, vários projectos portugueses são financiados total ou parcialmente por fundos comunitários. “Deste modo, o corte ou eliminação desses apoios traria consequências gravosas para a I&D em Portugal, bem como para os investigadores portugueses, sobretudo se tal não fosse, pelo menos parcialmente, colmatado com apoios com origem em Portugal”, afirma o professor.

Análise Jurídica

A saída de um Estado da União Europeia, à semelhança das adesões, é composto por um período de transição e adaptação das instituições do país em questão. As consequências de um possível abandono por parte de Portugal não são possíveis de prever com total exatidão: seriam necessários vários estudos em diferentes ramos do Direito para se compreender a verdadeira proporção das consequências.

A título mais imediato, como consequências, poderia prever-se a necessidade de definir como se procederia à desvinculação dos Tratados, assim como a necessidade de reformulação da legislação nacional que sofreu influência europeia. Deixaria de se justificar a receção feita pelos diplomas internos das diretivas europeias.

A legislação existente sobre direitos de autor, a legislação que incide sobre o direito dos consumidores assim como a criação de uma nova moeda e respectiva regulação são algumas das áreas onde mais se sentiria a saída da União Europeia.

O Acordo de Schengen, que prevê uma abertura de fronteiras e livre circulação de pessoas entre os diversos Estados, também teria de ser revisto. Não só seria necessário tutelar as expectativas de quem aproveitou a existência do acordo para circular livremente pelos Estados, como também teria de se prever como seriam tuteladas as situações futuras.

O Reino Unido é o primeiro país a abandonar a União Europeia. Os Tratados possuem pouca regulamentação sobre a saída da União Europeia, pelo que só agora se começam a manifestar as insuficiências do regime, assim como as consequências que os Estados sofrem com as possíveis saídas.