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Crónica

NA AMÉRICA LATINA #3

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Um mês passado em Quito e já posso dizer que conheço um pouco a cidade. Ou, pelo menos, que já tenho a confiança para dizer que conheço um pouco a cidade. Já ando nas espécies de eléctricos que correm a cidade de norte a sul (a cidade é muito comprida mas pouco larga), colada à imensidão de pessoas (como sardinhas enlatadas), mantendo o equilíbrio e conhecendo os melhores lugares onde entrar e onde ficar de pé. Já sei onde reabastecer a despensa, os melhores restaurantes e também os mais baratos, os museus grátis, o horário da cinemateca, onde são raros os dias sem ciclos de cinema gratuitos. Um mês depois do ciclo Fellini no Porto, também aqui houve um ciclo Fellini, onde pude ver alguns dos filmes que me tinham faltado no Porto, numa sala de cinema cheia em que as pessoas aplaudem no fim do filme e têm reacções muito sonoras à acção que se desenrola.

No mercado, após um mês de inscrições e de recolha de dados, chegou o dia da visita dos médicos do centro de saúde. Os dois dias anteriores, em que andamos a correr posto por posto a avisar toda a gente com risco considerável de diabetes que vinham doutores medir a glucose gratuitamente, foram completamente caóticos. “Há que estar em jejum, jejum! Não tome o pequeno almoço!”. Escusado será dizer que foram poucos os que não o tomaram. Nesse dia, foram incontáveis os quilómetros que fiz para trás e para a frente a buscar pessoas e a trazê-las até à sala onde estavam os médicos. Atravessávamos o mercado, muito determinados, eu à frente, vendedores atrás,  “vamos rápido que não posso deixar o meu posto por muito tempo!” Na sala, tinham uma médica à sua espera, que depois de os pesar, medir e calcular a glucose falava com eles sobre estilos de vida e lhes indicava como marcar uma nova consulta, se necessário. Os resultados foram chocantes: em 63 pessoas, 5 não tinham sobrepeso. Isto pôs-nos logo a pensar em projectos como o de trazer o desporto ao mercado, de falar com um dos vendedores de comida para fazer refeições mais saudáveis, de fazer palestras sobre alimentação… Projectos a que, provavelmente já não vou assistir, mas que quero acompanhar de qualquer forma. Dentro do sector onde trabalhamos, também se passou outro fenómeno: depois de as pessoas verem que era verdade o que dizíamos, que, de facto, havia uma equipa do centro de saúde que os ia testar gratuitamente, ganharam um carinho por nós que me deixa muito feliz. Não dou dois passos sem que ouça algum “Francisquita!” e veja alguém a vir na minha direcção para me cumprimentar, contar pormenores da visita ao médico ou mostrar resultados das análises. Não são raras as vezes em que me oferecem os petiscos deliciosos que cozinham ou me dão grandes abraços. “Como está, don Pepe?”, “Bien, con ganas de ver-vos!”. Uma coisa é certa: já podemos andar pelos sectores em que trabalhamos com segurança redobrada e com a certeza de que temos alguém para nos defender. Que bem que sabe ir ao mercado e já conhecer vendedor por vendedor, já saber o que lhes perguntar, se pelos filhos, se pela última consulta, receber muitos sorrisos.

Nos fins de semana, a saga equatoriana continua. E com dois paraísos. O primeiro, que foi, para já, o meu lugar preferido neste país, foi a lagoa de Quilotoa. Para lá chegar, um autocarro, que subiu até aos mais de 4000 mil metros da lagoa e a paisagem de montanha, com muitas vacas, burros e alpacas a começar a desenrolar-se. As montanhas de vários tons de verde, a paisagem seca da sierra, cactos na berma da estrada, desfiladeiros gigantes. Depois, lá em cima, o ar frio e seco da montanha, uma vila muito pequena povoada pelos indígenas sempre de chapéu, independentemente da metereologia. A lagoa, penso que é das coisas mais bonitas que já vi. No meio da cratera, tem um azul que faz lembrar as praias do Caribe. Descer até à lagoa, com os seus caminhos de pedra cruzados por tantos burros vestidos de mantas coloridas como pessoas, faz lembrar as imagens das regiões incas. Andar à volta da lagoa, num caminho de 4h30 com partes de quase escalada, com caminhos estreitos onde até o mais corajoso teria vertigens, foi uma experiência que recomendo a qualquer um. A lagoa sempre ao lado direito, enorme, linda, e ao lado esquerdo as nuvens em baixo, os campos e campos verdes, os pastores e os seus rebanhos, os Andes maravilhosos.

O outro paraíso, foi a praia de Mompiche. Ou melhor, a vila de Mompiche com a sua praia, a praia Negra e a praia de Portete. Para começar, a vila é um dos lugares mais tranquilos que já visitei. Muitos pescadores, todas as casas de madeira, muitos barquinhos na praia. A comida é deliciosa e a preços inimagináveis. Sopa de marisco, peixe grelhado, camarões. Foi um fim de semana de encher o estômago. Estava muito, muito calor, o que fez com que a maior parte do tempo tenha sido passada no mar. No mar ou na cascata da praia Negra, uma praia que, como o nome indica, tem a areia completamente preta. A praia de Portete é o que costumamos chamar de “praia de postal” com a praia de areia branca cheia de palmeiras a desenrolar-se no mar azul, enquanto os pequenos cafés vendem cocos com uma palhinha.

Posto isto e, passando agora,  a curiosidades sobre este país, passou há pouco o fim de semana de eleições locais. Umas eleições que obrigam, até a quem viva a mais de 12 horas de caminho, a deslocar-se ao seu local de voto (aldeia? comunidade?) para votar, sob pena de pagar uma multa e de ter consequências gravíssimas para se, no futuro, quiser procurar emprego ou sair do país. Umas eleições em que a venda de álcool é proíbida a partir de três dias antes. Umas eleições que se traduziram numa derrota, em todas as grandes cidades, dos candidatos do partido do presidente Rafael Correa, que parece estar a perder um pouco da sua unanimidade.

E pronto, aqui ficam mais novidades da América Latina! Em duas semanas saio de Quito e começo então a grande viagem, primeiro descendo a costa do Equador, depois o Peru, e depois… quem sabe! Até à próxima!

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